segunda-feira, outubro 22, 2007

Porque sim...


Porque sim…
Porque sou maior do que mim mesma.
Dizias-me tu com olhos lassos, cansados. Era um olhar vazio, esse teu. Um olhar que pairava num nada assustadoramente maior que o nosso mundo. Quedaste-te dum voo altivo que te aconselharam a não tomar. No regresso a ti, ninguém te viu. Era uma outra, o mesmo rosto apenas!
Na loucura dos dias, no frenesim desmedido de tudo ser, deixaste de ser, efectivamente. A aparência falou mais alto. A essência deu lugar a um mito. Apodera-se de nós, agora, a incerteza… Não ousamos pensar que nunca te tivemos, seria loucura maior do que a tua.
Aquela noite, aquele mesmo lugar, a paisagem, ficarão para nós, indelevelmente, associados às palavras que te proferimos e que hoje te repito. Onde quer que a tua loucura te leve escuta-as, pelo menos, só mais uma vez: “Nem sempre somos o que ansiamos, tão pouco vale a pena ladrilhar as estradas que sabemos não nos servirem.”
Porque sim…
Porque somos maiores do que nós mesmos.
Porque não queremos que fiques pelo quase.
Porque não pretendo, nem consinto não acreditar no teu regresso…

sábado, outubro 06, 2007

Vestígios

Noutros temposquando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas
e envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas - noutros tempos
os dias corriam com a água e limpavamos
líquenes das imundas máscaras

hoje

nenhuma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se expande pelo corpo estendido
no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se

onde se pode - num vocabulário reduzido e
obcessivo - até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir

apesar de tudo
continuamos e repetir os gestos e a beber
a serenidade da seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbusto estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial

Al-Berto
Horto de Incêndio