domingo, março 30, 2008

Pela voz contrafeita da poesia



Dá-nos os passos os teus passos
de manhã triunfal de cidade à solta
os gestos que devemos ter
quando a alegria descobrir os dedos
em que possa viver toda a vertigem
que trouxer da noite
os primeiros dedos do sonho
do teu sonho nosso sonho mantido
mesmo no mais íntimo abandono
mesmo contra as portas que sobre nós:
em silêncio e noite
em venenosa ternura
em murmúrio e reza
se fecharam já
mesmo contra os dias vorazes
que por todos os lados nos assaltam
e consomem
mesmo contra o descanso eterno
a viagem fácil
com que nos ameaçam vigiando
todo o percurso do nosso sono
interminável sono coração emparedado
no muro cruel da vida
desta que vivemos que morremos
assim esperando
assim sonhando
sonhando mesmo quando o sonho
ignorado recua até ao mais íntimo de cada um de nós
e é o gemido sem boca
a precária luz que nem aos olhos chega
Não digas o teu nome: ele é Esperança
vai até aos que sofrem sozinhos
à margem dos dias
e é a palavra que não escrevem
sobre as quatro paredes do tempo
o admirável silêncio que os defende
ou o sorriso o gesto a lágrima
que deixam nas mãos fiéis
Não digas o teu nome: quem o não sabe
quem não sabe o teu nome de fogo
quem o não viu entrar na sua noite
de pobre animal doente
e tomar conta dela
mesmo só pelo espaço de um sonho
O teu nome
até os objectos o sabem
quando nos pedem um uso diferente
os objectos tão gastos tão cansados
da circulação absurda a que os obrigam
As coisas também gritam por ti
E as cidades as cidades que morreram
na mesma curva exemplar do tempo
estão hoje em ti são hoje o teu nome
levantam-se contigo na vertigem
das ruas no tumulto das praças
na espera guerrilheira em que perfilas
o teu próprio sono
*
Ah
onde estão os relógios que nos davam
o tempo generoso
os dedos virtuosos os pezinhos
musicais do tempo
as salas onde o luxo abria as asas
e voava de cadeira em cadeira
de sorriso em sorriso
até cair exausto mas feliz
na almofada muito azul do sono
Onde está o amor a sublime
rosa que os amantes desfolhavam
tão alheios a tudo raptados
pela mão aristocrática do tempo
o amor feito nos braços no regaço
de um tempo fácil
perdulário
vosso
Hoje não é fácil o tempo
já não é vosso o tempo
viajantes do sonho que divide
doces irmãos da rosa
colunas do templo do Imóvel
prudentes amigos da vertigem
deliciados poetas duma angústia
sem vísceras reais
já não é vosso o tempo.
Noivas do invisível
não é vosso o tempo
Relógios do eterno
não é vosso o tempo
*
Impossível
Impossível cantar-te
como cantei o amor adolescente
colorindo de ingenuidade
paisagens e figuras reduzindo-o
à mesma atmosfera rarefeita
do sonho sem percurso no real
Impossível tomar o íngreme caminho
da aventura mental
ou imaginar-te pelo fio estéril
da solitária imaginação
Tão-pouco desenhar-te como estrela
neste céu infame
dizer-te em linguagem de jornal
ou levar-te à emoção dos outros
pela voz contrafeita da poesia
Impossível
Impossível não tentar dizer-te
com as poucas palavras que nos ficam
da usura dos dias
do grotesco discurso que escutamos
proferimos
transidos de sonho no ramal do tempo
onde estamos como ervas
pedrinhas
coisas perfeitamente inúteis
pequenas conversas de ferrugem de musgo
queixas
questiúnculas
arrotos comoventes
*
Mas de repente voltas
numa dor de esperança sem razão de ser
Da sua indiferença
agressivamente as coisas saem
Sentimo-nos cercados
ameaçados pelas coisas
e agora lamentamos o tempo perdido
a dispô-Ias a nosso favor
Porque é tempo de romper com tudo isto
é tempo de unir no mesmo gesto
o real e o sonho
é tempo de libertar as imagens as palavra!
das minas do sonho a que descemos
mineiros sonâmbulos da imaginação
É tempo de acordar nas trevas do real
na desolada promessa
do dia verdadeiro
*
Nesta luz quase louca
que se prende aos telhados
às árvores aos cabelos das mulheres
aos olhos mais sombrios
falamos de ti do teu alto exemplo
e é com intimidade que o fazemos
falamos de ti como se fosses
a árvore mais luminosa
ou a mulher mais bela mais humana
que passasse por nós com os olhos da vertigem
arrastando toda a luz consigo
Alexandre O´Neill
Poesias Completas
1951/1981
Biblioteca de Autores Portugueses
Imprensa Nacional Casa da Moeda

quinta-feira, março 20, 2008

Resposta à tua pergunta.

Ontem perguntaste-me: “que farias se pudesses?”
Se pudesse seria maior do que mim mesma, ergueria como um facho a arder a essência de ser. O mais que posso, no hoje, no agora, é oferecer-me a quem amo, assim tão levemente como o beijo que teima dirigir-se a ti, o meu eu, irredutível, singular e único.
No melhor e no pior de mim mesma: Eu!

quinta-feira, março 13, 2008

Quase

Um poema de eleição.


Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além
Para atingir, faltou-me um golpe de asa ...
Se ao menos eu permanecesse aquém ...
Assombro ou paz ? Em vão ... Tudo esvaído
Num grande mar enganador d´espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor ! - quasi vivido ...
Quasi o amor, quase o triunfo e a chama,
Quasi o princípio e o fim - quasi a expansão ...
Mas na minh´alma tudo se derrama ...
Entanto nada foi só ilusão !
De tudo houve um começo ... e tudo errou ...
- Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim ...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou ...
Momentos de alma que desbaratei ...
Templos aonde nunca pus um altar ...
Rios que perdi sem os levar ao mar ...
Ânsias que foram mas que não fixei ...
Se me vagueio, encontro só indícios ...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos d' heroi, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios ...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí ...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi ...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe d´asa ...
Se ao menos eu permanecesse aquém ...

Paris 1913 - maio 13
Mário de Sá-Carneiro

domingo, março 09, 2008

100 mil, dá que pensar...

Parabéns aos 100 mil docentes que se uniram!
Parabéns a todos os que a eles se associaram nesta luta, apoiando-os e aplaudindo-os à sua passagem!
Parabéns a todos quanto continuam a lutar contra os atentados à liberdade de expressão e manifestação!
Ultrajante escutar as palavras do Sr. Santos Silva que apelida esta manifestação de ser "uma atitude antidemocrática."
Que o direito e garantia de liberdade não deixe de existir. Que a Democracia não seja apenas e tão só um conceito!!!!

terça-feira, março 04, 2008

Muito obrigado!!!


A todos aqueles que me enviaram correntes dizendo que se eu as

repassasse e não as quebrasse iria ficar rico, milionário, eu informo:

NÃO FUNCIONOU!!!

Em 2008, vocês poderiam, por favor, em vez de correntes, enviar dinheiro, 'tickets-restaurant', chocolates, cartões de crédito ou vales de gasolina???

Obrigado!

P.s.: Texto recebido por e-mail

segunda-feira, março 03, 2008

Pitiriase Rósea

Terça-feira reparei que me tinham aparecido umas manchas rosadas no corpo. Não liguei. Pensei que eram mordidelas de melgas. Sábado tinha o tronco, braços e costas cheios de manchas. A comichão era insuportável. Dirigi-me ao Centro de Saúde mais próximo. Diagnóstico: pitiriase rosea. E se falasse português? "dermatose aguda, de causas desconhecidas, rara, que surge, principalmente na primavera e no outono. Não é contagioso. Regra geral desaparece de 2 a 4 meses. Vai ser medicada, mas caso, estas manchas não comecem a atenuar dentro de 2 meses será necessária uma biópisa." Sai do consultório sorridente, não queria que vissem a minha apreensão... Cheguei a casa, olhei-me ao espelho e quedei-me no silêncio. Como se não bastasse, hoje decidi fazer limpezas, entornei uma garrafa que estava aqui por casa - da minha senhoria - e toca de ter uma intoxicação por inalação de produto tóxico desconhecido. Vias respiratórias irritadas, mas agora já bem. Na altura a tosse convulsa, os vómitos e a falta de ar pareciam querer matar-me.
Para saberem um pouco mais sobre a pitiráse Rósea: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0365-05962003000200010&script=sci_arttext