O despertador é saturante… foi com este pensamento que acordei hoje de manhã, depois de uma semana de trabalho que se estendeu pelo dia de sábado. Levantei-me, ensonada, cansada, com a visão toldada, ainda, pelas novidades de seis dias ininterruptos. Peguei no carro e lá fui rumo a uma pequena Vila próxima, onde me esperava uma lareira cheia de gente à volta. Um almoço de confraternização, mas o olhar teimava em pousar-se naquele ser pequeno. Às vezes acho que sou demasiado lamechas, demasiado preocupada, sempre atenta aos pormenores e demasiado severa comigo própria. Mas adiante, o Duarte tem 8 anos, grandes dificuldades a nível de escrita e consequentemente de leitura. É um aluno difícil, está constantemente distraído, chega a ser mal-educado não em palavras, mas em comportamentos, é rude com os colegas de escola. Quando está junto de pessoas que conhece há muito tempo, tudo faz para ser o centro das atenções, foge, esconde-se, chateia, responde de forma bruta… Hoje, passeávamos pelas ruas da pequena Vila, quando uma senhora que há muito não via a mãe do Duarte, se aproximou de nós e lhe perguntou: “então Duarte andas a passear com a mãe? O pai, ficou em casa?”. Foi difícil suportar a dor que se espelhou no rosto desta criança. Sem delongas retirei-me com o Duarte para um café, com a desculpa de que lhe tinha prometido comprar uma guloseima, enquanto deixava a mãe a falar com aquela senhora. Durante a tarde o Duarte fechou o rosto, começou a ter comportamentos mais bruscos do que os habituais, a fazer perguntas de difícil resposta. A que me custou mais responder terá sido: “porquê é que toda a gente conhece o pai e eu não?” Esta pergunta mereceu-me a singela resposta: “o pai e a mãe chatearam-se quando nasceste e o pai foi trabalhar para fora, mas um dia ele virá ver-te.” Nunca estamos à espera que uma resposta suscite uma catadupa de questões como as que se seguiram: “mas ele nunca me liga, nunca fala comigo por telefone, nunca me mandou um presente. Lá onde está, não tem telefone?” Só tive coragem de dizer: “se calhar é isso Duarte, se calhar onde está não tem telefone.” Confesso ter-me sentido perdida com as justificações que procurei dar-lhe. O Duarte preocupa-me, assim como o seu futuro. Não nego que a mãe tem feito o melhor por ele, que tem sido uma boa mãe dentro das suas possibilidades, mas preocupa-me a realidade em que vive, as dificuldades que apresenta na escola e nas relações interpessoais. A mãe do Duarte tem um pequeno atraso, não sabe o verdadeiro nome do pai, no momento em que descobriu estar grávida, o companheiro abandonou-a, sem nunca mais dar noticias. No Natal do ano passado ofereceram-lhe uma bicicleta, aqueles olhinhos encheram-se de lágrimas, ficou parado em frente a ela e não disse nada. A felicidade espelhada naquele rosto deixou o coração pequeno. Este ano, no dia do seu aniversário decidi dar-lhe uma colecção de livros, e fiquei perplexa com as dificuldades de leitura que apresenta, reparei que não consegue estar concentrado a fazer os exercícios, que os faz bem se estiver alguém sentado ao lado dele a ler as coisas com ele. Foi a um oftalmologista e não tem problemas de vista, falei com a mãe para o levar a um psicólogo, dado que os comportamentos na escola têm vindo a piorar. Hoje, voltei a falar-lhe na urgência de o levar a um psicólogo, mas a resposta peremptória “para quê? Ele não é maluco, não tem nenhum problema”, desarmou-me. Agora, em casa, sentada em frente à lareira acesa, quedo-me qual errante pensativa, adivinhando-lhe o rosto de menino que busca encontrar em si as respostas às confusões que se debatem na sua mente…