sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Dita-me a consciência que me afaste da escrita, deste blogue, não porque não continue amar a palavra ou porque me tenha abandonado a sofreguidão de deixar a alma discorrer sobre o teclado. São motivos pessoais e profissionais que me fazem abandoná-lo por tempo indeterminado. Neste momento e ainda que procure manter viva a memória do que sou, não consegui ainda dar os passos necessários para um reencontro, para além de outros factores. Diria que as forças se esgotam sem que nos demos conta, definhamos numa dor, numa tristeza que nos amarra ao silêncio de nós mesmos muitas vezes e por muito que procuremos saídas, respostas, vamos embatendo sempre num muro que parece intransponível. Quedei-me na sorte de me abandonar à mercê de um sentir que vai deixando escapulir as poucas forças que a sustentam. Procurei, até hoje, socorrer-me de mim mesma apenas, para conseguir sair das guerras e vencer os obstáculos. Não busquei ajuda de nehuma especialidade, apesar de verificar que desde há algum tempo a esta parte, me sentia profundamente triste, sem vontade de dirigir palavras às pessoas, cansada, frustrada, esgotada, mas acima de tudo fria, sem projectos, sonhos ou vontade de ir além. De há uma semana para cá verifiquei que perdi peso, sinto repulsa por elogios ou demonstrações de carinho, que me custa dar um beijo ou um abraço. Tenho sentido uma fraqueza pouco habitual, tendências para desmaios e tem-me sido dificil levantar. As alterações de humor vão do silêncio para a explosão quando me chamam. No trabalho não quero ouvir as vozes e em casa fecho-me em mim. Hoje acordei com a sensação de vazio completo, quis lembrar-me do que tinha de fazer e não consegui, sai com uma sensação de levar o mundo nos ombros, entrei e sai triste de casa. Fiz uma viagem de noite e a cabeça parecia estar oca, vazia. Creio que tenho de encetar por outro caminho e procurar em definitivo a ajuda de um profissional. Às vezes pergunto-me o que me terá levado até aqui. Não sei, mas estes últimos anos têm sido marcantes: a perda do meu padrinho, meses depois a perda do meu avô, a crise de uma relação, a perda de um dos meus melhores amigos, o "assédio" de gente com poder, o diagnóstico de uma doença rara, a doença de um amigo, o sofrimento de uma segunda mãe, a inadaptação às mentalidades, a solidão, o não poder ser eu...talvez tenha deixado que tudo se juntasse e talvez isso me tenha feito perder... A verdade é que não sei o porquê, sei que me corrói a tristeza e me abandono na imensidão do não saber quem sou...
Até lá...

terça-feira, fevereiro 17, 2009

O dia D...

O dia ergueu-se com uma suavidade plena de sentido para Manolo. O sr. Pereira trouxe, finalmente, a boa nova. Manolo iria trabalhar com ele, iria ser moço para todo o serviço que fosse necessário fazer no pequeno comércio. Vestiu-se à pressa, as calças rotas, os tamancos enfiados, mãos nos bolsos para esconder o nervosismo. Subida a rua, chegado à loja do Pereira, as pernas tremiam como varas verdes, esperou as ordens, cumpriu-as. No final de um dia de muitas lides, não se sentia cansado, mas com vontade de fazer mais. Depois de expor a mercadoria, atender o melhor que sabia os clientes, guardar as coisas que estavam expostas cá fora, ter limpado o chão, varrido o passeio em frente à mercearia, entre outras coisas mais, impelia-o a vontade de singrar, por ora aqui.
O Sr. Pereira não precisava de um empregado, mas sabia o que custava a vida, tinha já amealhado algum e desejava ajudar o máximo de pessoas que podia. Era um homem raro, que na surdina apregoava contra o governo, que desejava a liberdade, que não temia por si mas pelos seus. Não sabia porquê e confessou-o anos mais tarde, mas Manolo inspirava-lhe confiança, parecia-se com ele e disse-o, já velho e cansado demais para continuar por cá, que apostava nele como se fosse seu filho.
Manolo ficou a trabalhar com o Sr. Pereira durante alguns anos, criando uma verdadeira amizade. De tal forma que diz, ainda hoje, Manolo que "Pereira foi como uma árvore, que me prendou à vida e me impeliu a ramificar".

terça-feira, fevereiro 03, 2009

esperança...

Manhã cedo, raiava ainda mal o sol, Manolo estava já à porta da pequena pensão. Esperava por notícias do senhor Pereira, ansiava pela sua chegada, olhava a esquina da rua, estendendo o mais possível o olhar. O coração estava imparável, de tal forma que o simples acto de respirar se tornava custoso. O tempo foi passando, a amnhã estava já a meio, quando se deu conta da posição do sol. Decidiu esperar até ao meio dia. Se o Sr. Pereira não aparecesse até àquela hora, tinha decidido por-se, mais uma vez ao caminho.
Com os tamancos calçados, percorreu outras ruas do Porto, olhou a estrutura das casa, fixou-se nos rostos que via, desenhou percursos, bateu a várias e portas. No fim do dia, cansado, desgastado, com fome e sem nada para comer, subiu para o seu quarto. Abriu a mala de cartão e olhou-a com atenção. O dinheiro começava a escassear, já só tinha mais algumas moedas para fazer frente a mais dois dias, se tanto. acomodou-se o melhor que pôde na cama, fixou o olhar no nada e deixou-se embalar pelos seus pensamentos.
A esperança, essa, guarda-a para amanhã...