sábado, outubro 25, 2008

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Saí de casa com rumo fixo. Carregava um semblante pensativo, por certo, pois a dada altura deparei-me com uma voz a dizer: "Então perdida por aqui?". Ergui o olhar e respondi prontamente: "Perdida num emaranhado de pensamentos." Seguiu-se um convite para tomar café, ao qual acedi. Enquanto saboreavamos o café fomos conversando sobre vários assuntos. Não sei muito bem como, mas as conversas por vezes têm destas coisas, dei por mim a escutar, atentamente, as palavras singelas deste homem, que falava com avidez e sofreguidão das suas histórias de vida. Sentia-me a viajar e o cérebro absorvia as imagens criadas pelas palavras que se soltavam. Falava do 25 de Abril de 1974, do que se seguiu a esta data. Era ainda pequeno, quando a Revolução dos Cravos despertou, mas recorda-se "que se vivia intensamente a liberdade, todos falavam nela. A palavra tinha um sabor especial. Toda a gente fazia o que queria, havia alegria, falava-se sobre tudo e sobre nada. Tudo era motivo para celebrar a liberdade. Mas, sabe, no fundo, ninguém sabia muito bem o que era isso da liberdade. Mas não interessava, era uma palavra nova e acho que o encanto lhe bastava. Enquanto não descobrissemos os que isso era gozavamos da palavras liberdade como se ela fosse, de facto, a própria liberdade." Fiquei de tal forma boquiaberta que exultei uma expressão de júbilo, peguei num papel e numa caneta e pedi-lhe que escrevesse o que tinha acabado de dizer. No final, depois de ter pegado naquele pedaço de papel, voltei a dar-lho, não sem antes frisar que queria reler esta frase no seu portefólio reflexivo de aprendizagens. De regresso a casa pensei de mim para mim: São estas experiências de vida que valem a pena validar. Às 20 horas voltei a encontrá-lo, desta vez sentado na condição de "formando". No final da sessão esperou que todos saissem e entregou-nos o seu PRA, dizendo: "agora está completo". Folheei-o e na contra-capa uma frase que me prendeu: "Um livro inacabado é como um tesouro, quanto mais experiências de vida se tem mais se querem ter, quanto mais se sabe menos se pensa saber e eis que hoje um simples gesto me fez despertar para um finalizar por ora...Por ora porque te deixarei aberto para mais te contar."

5 Comments:

At 25 outubro, 2008 11:57, Blogger Ermelinda Silva said...

E assim se constroi o livro da sabedoria ( o novo porque o da Bíblia esteve lá sempre, atribuído ao Rei Salomão).
Basta saber escutar e ter atitude de perpétuo aprendiz. A vida é assim que se faz, que se vive, que tem algum valor e alguma história que valha a pena ser contada.
Nem só de conquistas, de batalhas e de Monarquia ou de recessão económica é feita a História do Homem. Estes pensamentos que brotam de uma realidade assumida dão-nos o retrato do "homem interior" de que a História dos factos não trata!

Os jovens de hoje não se ocupam com esta sabedoria; são tão lightes e descartáveis que só se ocupam com as aparências, no geral. Mas ainda existe uma espécie de "casta" de eleitos, que vão agindo segundo "aprendizes da vida"; sim, porque a humildade, também no conhecimento, nunca foi um mal mas uma grande virtude.

Aprendemos até morrer e cá para mim, mesmo depois disso...

Ninguém sabe como é a vida do espirito; quando o corpo nos abandona esta harmonia, esta arquitectura espiritual, pensante, inteligente, ficará algures no espaço chamado Céu, junto aos espíritos bons, não ocupando espaço e vivendo fora do tempo. Algures, digo, porque o inigma que existe em torno do Universo é o mesmo que existe em torno da "vida depois da vida". Mesmo com convicções cristãs, sabendo que vou ressuscitar no dia da minha morte, para uma vida nova, a vida do espírito, não sei onde vou vivê-la. Sei mais da Vida de Jesus do que da minha. E desafio quem saiba A CONTAR-ME TUDO DIREITINHO para que eu possa organizar-me sabendo onde vou ficar instalada post-mortem!

Sei que há-de ser um Castelo porque aqui é pouco mais do que uma cabana; as coisas têm os seus opostos. Os ricos vão para as cabanas e os pobres, vão para os palácios, mas segundo o que propunha o Pe. António Vieira: " Quando nascemos somos filhos dos nossos Pais; quando morremos, somos filhos das nossas obras"!

Muito belo o seu texto!!!

 
At 26 outubro, 2008 01:58, Blogger deep said...

Um sábio, portanto. Vão sendo raras as pessoas que têm disponibilidade para escutar. Só assim se aprende com os outros.

Um óptimo domingo! :)

 
At 26 outubro, 2008 19:32, Blogger Cöllybry said...

Se o pensamento parasse nem que fosse por um minuto...
Muito interesante teu texto

Beijito


olharIndiscreto

 
At 28 outubro, 2008 15:14, Blogger Lu.a said...

Simplesmente fantástico! :)

 
At 29 outubro, 2008 00:02, Blogger Donagata said...

Muitíssimo interessante este post. Assim se constrói o saber; acumulando experiências de vida, numa aprendizagem constante e feita, por vezes de pequenos nadas que se revelam da maior importância.

Gostei muito.

Beijos

 

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