quinta-feira, março 13, 2008

Quase

Um poema de eleição.


Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além
Para atingir, faltou-me um golpe de asa ...
Se ao menos eu permanecesse aquém ...
Assombro ou paz ? Em vão ... Tudo esvaído
Num grande mar enganador d´espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor ! - quasi vivido ...
Quasi o amor, quase o triunfo e a chama,
Quasi o princípio e o fim - quasi a expansão ...
Mas na minh´alma tudo se derrama ...
Entanto nada foi só ilusão !
De tudo houve um começo ... e tudo errou ...
- Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim ...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou ...
Momentos de alma que desbaratei ...
Templos aonde nunca pus um altar ...
Rios que perdi sem os levar ao mar ...
Ânsias que foram mas que não fixei ...
Se me vagueio, encontro só indícios ...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos d' heroi, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios ...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí ...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi ...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe d´asa ...
Se ao menos eu permanecesse aquém ...

Paris 1913 - maio 13
Mário de Sá-Carneiro

10 Comments:

At 13 março, 2008 02:44, Blogger Vanessa said...

Um poema diferente, de um certo modo profundo, mas também muito vago, e cheio de devaneios.
Mas um poema que fala de muito...de tão pouco também.
[Contradições, como ele as escreveu tão bem]
Um beijinho*
(boa selecção de poema)

 
At 13 março, 2008 19:15, Blogger calminha said...

este é o meu poema de eleição , um pouco mais de sol eu era brasa ...é lindo lindo ,valente e bela escolha.parabens.
bj

 
At 13 março, 2008 21:20, Blogger deep said...

Parece que somos muitos a gostar deste poema! Não deve ser por acaso...

Bom resto de semana. :)

 
At 14 março, 2008 19:27, Blogger Unknown said...

Olá!
Bonito poema, para iniciar assim o meu fim de semana...
beijos

 
At 15 março, 2008 08:54, Blogger Su. said...

Eu sempre gostei mto deste poema...
:)
tem poeta assim, q arrasta multidões!

Beijoooo

 
At 16 março, 2008 18:36, Blogger Lu.a said...

LINDO! :)

 
At 17 março, 2008 01:36, Blogger Alien David Sousa said...

Acabei de comentar um texto sobre o "quase".
Não gosto do quase. O quase é quando acabamos por não alcançar nada, ficamos a meio.


Beijinhos

 
At 17 março, 2008 16:22, Anonymous Anónimo said...

Que coincidência: ainda hoje comentei um texto sobre o "Quase" exactamente com esse poema.
É delicioso, sem dúvida!

 
At 20 março, 2008 18:42, Anonymous Anónimo said...

Às vezes tudo se perde no quase...gostei muito de reler este belo poema...

Feliz Páscoa

Doce beijo

 
At 09 abril, 2008 16:21, Blogger Duarte said...

Gosto de Mário de Sá Carneiro, é curioso que na melancolia dos seus poemas avista-se a beleza primordial :) Bjs

 

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