segunda-feira, janeiro 19, 2009

Manolo abraça o horizonte...




Ainda o dia não se erguera já Manolo estava desperto, seriam seis da manhã pelas suas contas. Bem poderia ter-se socorrido do relógio, mas não o tinha, assim teve de olhar o céu da janela e adivinhar que horas seriam. Olhava à volta, da janela do seu quartinho via o rio Douro, inspirou o ar da matina e deslocou-se para junto da sua mala de cartão. Abriu a mala, pegou no pedaço de pão de milho que a mãe lhe tinha colocado na mala e acariciou-o, como se fosse o seu rosto. Um rosto enevelhecido pelas agruras da vida e pelos nove partos que tivera. Levou-o à boca e comeu-o devagar, para absorver durante mais tempo os sabores da sua terra, da sua gente. Saiu do quarto e dirigiu-se à casa de banho, pelo menos era o nome que era dado àquele cubículo, e tomou um banho de água fria. A água parecia, hoje, mais fria, talvez porque estivesse sozinho na imensidão de um mar de gente, a que não estava habituado. Era impessoal estar ali. De regresso ao quarto olhou as paredes com uma atenção quase devota, contemplava cada esquina, cada pormenor, ansiava decorar-lhe o aspecto, afinal aquela seria a sua casa duarante algum tempo, quanto não sabia. Com a mala aberta pensou em vestir a melhor roupa, tarefa nada dificil para quem só tinha duas mudas. Vestiu-se, calçou os sapatos, desceu as íngremes escadas da pensão e partiu em busca da sua sorte. Calcorrou as ruas, os bairros, os pés doiam-lhe, olhava os sapatos e via que não iam aguentar a caminhada. A meio da caminhada estavam rotos, descalçou-os e caminhou assim... Sentia as pedras da calçada, frio não tinha, porque a vontade o movia. Cansado, meteu a mão no bolso, sentou-se na margem do rio, tirou um pedaço de chouriço que trouxera consigo e um naco de broa e ficou ali a comê-lo, enquanto estendia o olhar pela imensidão do rio. Entre a imensidão de um rio que lhe parecia ser o mar, abandonou-se à sorte de sonhar enquanto comia. Manolo, abraça o horizonte enquanto come e deixa-se levar pelo sonho, por ora....

6 Comments:

At 19 janeiro, 2009 16:41, Blogger Ermelinda Silva said...

O Manolo ainda leva a mala de cartão mas no seu tempo, houve quem partisse sem nada, só com a "roupa no pelo".
As cidades abraçam sempre muito as pessoas por serem largas e por as pessoas se deixarem abraçar...

Nos meios pequenos já foi assim; hoje não! Hoje diz-se "Boa-Tarde", e, se nos respondem, até ousam dizer: "Igualmente" - sempre é melhor que nada.

Decerto que os valores e a atitude solitária mas destemida do Manolo, vão levá-lo longe...

Ficamos à espera!

Boa Semana!

 
At 20 janeiro, 2009 12:33, Blogger Su. said...

Gostei, parece-me um inicio de uma historia em grande, continua! Que o sonho leve o Manolo avante!

O Douro... saudades, até me apeteceu aquele pão com chouriço Carla!

:)
Beijos

 
At 21 janeiro, 2009 16:19, Blogger Ermelinda Silva said...

"Ser contra um movimento, é ainda fazer parte dele"-Citador de hoje

Esta ideia de vínculo ainda que se "seja contra" é uma ideia comunitária.
Concordo absolutamente com ela!
Reparei!

 
At 21 janeiro, 2009 21:33, Blogger paulo miranda said...

virei aqui com certeza ler mais sobre a história de Manolo. fotografei mentalmente a "imensidão de um rio que lhe parecia ser o mar" ....

 
At 22 janeiro, 2009 01:59, Blogger deep said...

És uma verdadeira contadora de histórias, que domina não só a linguagem como técnicas para prender a atenção do leitor. Parabéns!
Fico à espera de mais.

Bom resto de semana. :)

 
At 22 janeiro, 2009 10:40, Blogger Ermelinda Silva said...

"O sofimento é o melhor remédio para acordar o espírito"-CITADOR de HOJE

Não concordo.
Para nos mantermos vigilantes, de espírito acordado, não precisamos de sofrer; apenas, de estar atentos, sermos bons observadores, e, se beliscados pela vida, curar as feridas de noite para não se verem de dia!
O sofrimento mata a alma, sobretudo o da Alma!

 

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