terça-feira, julho 29, 2008

Antes de Vivermos, a Vida é Coisa Nenhuma

O homem começa por existir, isto é, o homem é de início o que se lança para um futuro e o que é consciente de se projectar no futuro. O homem é primeiro um projecto que se vive subjectivamente, em vez de ser musgo, podridão ou couve-flor; nada existe previamente a esse projecto; nada existe no céu ininteligível, e o homem será em primeiro lugar o que tiver projectado ser. Não o que tiver querido ser. Porque o que nós entendemos ordinariamente por querer é uma decisão consciente, e para a generalidade das pessoas posterior ao que se elaborou nelas. Posso querer aderir a um partido, escrever um livro, casar-me: tudo isto é manifestação de uma escolha mais original mais espontânea do que se denomina por vontade.
(...) Escreveu Dostoievsky: «Se Deus não existisse, tudo seria permitido.» É esse o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, e, por conseguinte, o homem encontra-se abandonado, porque não encontra em si, nem fora de si, a que agarrar-se. Ao começo não tem desculpa. Se, na verdade, a existência precede a essência, não é possível explicação por referência a uma natureza humana dada e hirta; dito de outro modo, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos em face de nós valores ou ordens que legitimem a nossa conduta. Assim, não temos nem por detrás de nós nem à nossa frente, no domínio luminoso dos valores, justificação ou desculpas. Estamos sozinhos, sem desculpa. É o que exprimirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Se suprimi Deus Pai, cumpre que alguém invente os valores. Temos de tomar as coisas como elas são. Aliás, dizer que inventamos os valores não significa senão isto: a vida não tem sentido a priori. Antes de vivermos, a vida é coisa nenhuma, mas é a nós que compete dar-lhe um sentido, e o valor não é outra coisa senão o sentido que tivermos escolhido.

Jean-Paul Sartre, in 'O Existencialismo é um Humanismo'

5 Comments:

At 29 julho, 2008 23:23, Blogger deep said...

Quem não tem a noção de Deus tem outros referentes como "limite". Se assim não fosse, sentir-nos-íamos nós próprios deuses capazes de decidir sobre a vida e a morte, as nossas e as alheias... será?

Então quando sobes a Trás-os-Montes? Quem sabe não nos cruzamos por aí?! :)

Beijinhos

 
At 05 agosto, 2008 21:12, Blogger "O Autor", said...

O Homem é um projeto que não deu certo!

 
At 11 agosto, 2008 16:16, Blogger Vanessa said...

Só para lhe mandar um beijo*

 
At 15 agosto, 2008 19:06, Blogger Lu.a said...

Tu lês Sartre em pleno Verão?
Como é que consegues?? :))

 
At 29 agosto, 2008 16:25, Blogger Ermelinda Silva said...

Antes de vivermos a vida é já a própria vida!
Como se pode tirar de coisa nenhuma alguma "coisa"?
Esta foi uma das teses cartesiana para provar a existência de Deus, ou seja, do Criador.
Tal como diz a Bíblia:" Ele nos pensou antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepeensíveis na sua presença...Ele nos predestinou de Sua livre vontade, para sermos Seus Filhos Adoptivos por Jesus Cristo".
São perpectivas teológicas e transcendentes da Vida como o são as posições materialistas de Sartre e outros.
O ser humano toca o Infinito todos os dias dentro da sua finitude, até nas atitudes perfeccionistas!
E mesmo sem admitir Deus, haverá, decerto, uma Inteligência Cósmica a que todas as inteligênciqas se juntam no termo da sua vida física.
Já dizia SK." Há mais coisas no Céu e na Terra do que em toda a tua vã filosofia, Horácio".
Acho o título radical e nihilista. Respeito-o mas discordo.
Onde está o Absoluto,a Necessidade, a Causa Primeira?

 

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