domingo, dezembro 14, 2008

somente eu


Sentada em frente à lareira, deixo-me levar pela imaginação e dou-me conta que as paredes da casa são de pedra, não que sinta frio, mas são as paredes da casa da minha infância. Corro à janela e vejo a serra que meia encoberta pela neblina se ergue. Está frio, mas isso não me impede de abrir a janela. Ponho o nariz fora da janela, fica quase congelado, mas sinto-me bem, sinto o cheiro da minha terra, da minha gente. Saio pela porta e corro, desenfreada pelos caminhos da aldeia. As casas estão cheias de gente, vejo o fumo que sai das chaminés, páro a cada porta e vou cumprimentado as pessoas. Estou feliz, estou no meu meio, cresço ao ritmo da lealdade, da sinceridade, das travessuras próprias da idade, da entreajuda entre colegas, do respeito por cada um e pelos mais velhos. Sento-me junto de uma das pessoas idosas da terra e deixo que ela me faça viajar, com as histórias de tempos idos. Embala-me o tempo, aquele que já foi meu, o que eu tomo como meu pelas histórias que me contam e aquele que hoje é meu... De repente os olhos abrem-se, faço o mesmo percurso, mas já não vejo o mesmo. Sinto um apego mais forte, mas já não páro a cada porta, já não vejo o fumo a sair das lareiras. É a desertificação que teima em vencer... Em mim não mora a desertificação, reina a memória eterna de tempos que ficarão para sempre gravados no meu coração, que me encheram de ensinamentos, me fazem sentir honrada pelas minhas humildes origens. Corri mundos, crei-os, moldei-os, mas foram eles que fizeram de mim aquilo que sou hoje. Na mão que estendo um pedaço desta(s) histórias(s) se abre, na frase que se solta, um pedaço de muitos mundos feitos de histórias das várias gentes, das minhas gentes, se revela como se fossem também minhas. Porque eu quis e quero saber quem sou, porque não quero esquecer donde vim e anseio caminhar vida fora ciente de mim e dos outros, porque no amanhã que hei-de abraçar quero ver as minhas raizes sempre por perto, desfolhar o que dei de mim e me deram. Não quero adormecer no silêncio do que não ouvi, olvidar o que não vivi, quero questionar o depois, não dizer adeus...porque eu sou "somente eu"...

4 Comments:

At 15 dezembro, 2008 15:05, Blogger Ermelinda Silva said...

Sinceridade, autenticidade, e uma forte ligação às origens.
Isso quando é verdadeiro, nunca se perde!

Um texto maravilhoso!

 
At 15 dezembro, 2008 17:12, Blogger Teófilo M. said...

Quem venera as suas origens certamente viveu uma vida saudável, sem complexos nem vaidades, por isso a saudade, que é um sentimento dos simples, lhes permite saborear o gosto do passado mesmo que ele não volte mais, e que o peso da idade e da ineficiência ou do modernismo, o tenha destruído mais um pouco do que devia.

Gostei de ler.

 
At 15 dezembro, 2008 22:39, Blogger Lu.a said...

Páh, eu não gosto de me repetir, mas de cada vez que te visito ocorre-me dizer sempre a mesma coisa...está um texto lindo!!! :)

 
At 18 fevereiro, 2009 21:31, Blogger Su. said...

Muito bonito este texto... parabéns!

:)

 

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