terça-feira, outubro 20, 2009

Vielas suas...


Disseram que nascera no local errado, talvez até à hora errada, que perante este cenário apenas o choro lhe era permitido. Caminhava perdido em si, perguntando-se o que poderia ter feito, questionando a sua sina. Fechava os olhos e perguntava-se porque não tinha melhor condição.
Partido o coração, afastava-se de si mesmo, caindo na crença de que vida mais mísera do que a sua não havia. Desconfiado, de coração duro, tomou as vielas da rua como suas, nunca disse adeus. Era ainda uma criança que desejava, a todo o custo, recomeçar, renascer, ter sonhos. Achava que era o fim da linha, que nenhum novo começo surgiria e assim foi calcorreando as ruas da cidade e as suas vielas até as saber de cor.
Sonha, sonha e verás que os sonhos são o melhor que podes ter, dizia de si para si. Levavas as mãos à boca e ansiava por uma vida diferente… sentado no meio da multidão que passa no seu frenesim diário, só queria que alguém o visse, o olhasse, desse conta que existia. Quando um olhar desconhecido se cruzava com o seu, estremecia, desconhecendo se era esperança, se temor.
Assim, perdido nas vielas estreitas, a desconfiança e os sentidos apuram-se. Olhava as estrelas, sempre à espera que lhe tocassem o coração, memorizava os passos, os rostos dos que por si passavam, até sabia os seus ritmos diários, mas ninguém o via.
Nobre coração, o de “vagabundo” e ninguém o sabia. Braços abertos à cidade, olhos fixos no movimento do todo, sabia de cor as pessoas, conhecia-as como talvez nunca elas próprias se venham a saber um dia e ainda assim, invisível.
Um sorriso, uma palavra apenas, fazem o coração solitário deste homem encher-se de alegria. Mas caminhamos demasiado envolvidos com as nossas preocupações, com o nosso ritmo de vida alucinante, encerrados no nosso egoísmo que nos esquecemos de olhar à nossa volta, de ver com os olhos do coração.

terça-feira, outubro 13, 2009


Canta com a expressão de quem ousa pensar por si. Ouve o sonho e sabe que só a alguns é oferecido ler o mais íntimo de si. Que adianta saber as marés a quem só vive dos seus engenhosos oficios?

E assim errante, já cheia de andar calada, deixa poisar o olhar sobre a imensidão que desperta da sua janela e por dentro sente o peito que vibra, sacudindo o medo... Lê poesia, faz poesia, deixa cair a máscara de dureza e retorna a si. Permite-se entrar no barco, ancorado no mar que só ela vê... âncora fora, parte olhando, absorvendo a vida que se estende. Escuta a voz que lhe diz: "aproveita-a, deixa que ela te toque." Porque Nuria não quer pactos e alianças, elas são bom remédio para quem não quer ver além do seu pequeno mundo. Nuria quer ir além de si, sonhar, poder projectar-se...

Olhando o azul do céu que se estende, depressa se apercebe que começa a anoitecer. Algo trémula, lança os olhos sobre a água e verifica que hoje tem um brilho especial. O brilho de quem renasce. Enquanto a mente se admira com a beleza, devolve-lhe a memória os rostos das gentes que ficam indelevelmente ligadas à história de vida de cada um. Correm à sua frente imagens de inequívoca raridade e solta um sorriso aberto, porque toma consciência que também ela tem uma história de vida por fazer, que sempre que o vento e a chuva lhe aparecerem tratará de lhes fazer frente. Porque Nuria escreve a cada dia que passa o seu livro, a sua história de vida, imprimindo-o nas rugas que começam a aparecer, no corpo que começa a sofrer alterações, na forma desprendida com que dá o seu melhor a cada tarefa que realiza. Nuria atravessa o mar, lança o olhar mais uma vez sobre a imensidão de beleza e sussurra aliviada.

domingo, outubro 11, 2009

Na minha (des)nudez

Despojo-me de vestes e exponho-me como outrora ousei fazê-lo e porque o faço, perguntam-me os meus elos (amigos) de sempre. Porque voltei, renasci... ainda que possa vir a retornar àquela concha bem apertadinha, bem fechada que bem conheceis, não deixarei de contar aos quatro ventos, que pude erguer-me, voltar a ser eu durante este período de tempo. Não cedi, não dobrei, não deixei que os meus princípios, os meus valores, aquilo em que acredito, fossem vencidos. Permiti-me a "humilhação", que me indicassem caminhos seus como meus, mas não olvidei por um segundo de que o valor das coisas está na sua essência e não na aparência. Choro a incapacitante algema que me devorou por tempo suficiente, porque não me permitiu dizer basta, porque me prendeu numa redoma de pedra, de tal forma que me obrigou a afastar de mim, dos meus familiares, dos meus amigos (irmãos) para poder retemperar forças. Não quis medicação, recusei-a. Chorei muitas vezes, barafustei, estive perto da loucura, perto de me perder. Cheguei a quedar-me na cama, a abeirar-me de pôr termino a mim mesma, de desistir...perdi-me em estradas que tão bem conhecia, estive em locais que sabia de cor, mas das quais não pude sair, porque a mente se opunha a reconhecer os trajectos... mas continuei, diariamente, a ir para a labuta. As baixas não fazem parte do meu vocabulário. Pedi ajuda, é verdade, mas a melhor ajuda que recebi foi a dos meus eternos seis guerreiros, a quem devo muito, que amo de coração. Os meus maiores amores, os meus anjos da guarda de uma vida, nunca me abandonam à maré. Passamos tanto e tão pouco simultaneamente... que nunca, jamais, será demais honrá-los. Hoje estou feliz, nas palavras deles "depois de 2 anos encerrada, renasci", mas convém dizê-lo renasci porque vos tive em sorte, porque sois únicos, porque me sabeis de cor. Se inumerasse os porque seriam intermináveis, tal é a minha gratidão. Porque vos amo, o meu sincero obrigada! Meus amigos, meus irmãos, sem vós a vida não tem arco-iris algum. A vós: Hugo; Sérgio Monteiro; Sérgio Fonseca; Vera; Olguinha; Quim (meu anjo); o meu amor eterno e desprendido! Um obrigada não é ainda assim suficiente para vos dizer o quanto significais para mim. Amar-vos é um gesto brando tendo em conta tudo quanto temos atravessado juntos. Amo-vos!

sábado, outubro 03, 2009

Hoje deixo-vos com uma sugestão de leitura: "A Sombra do Vento". Uma obra magnífica, um livro dentro de outro, onde as personagens se misturam num enredo brilhante. Um escritor que versa sobre outro, maravilhosamente, que ousa ingressar no mais íntimo das personagens que nos traz a lume. Um livro que demonstra a amizade entre um sem abrigo, que outrora teve família. A solidariedade, a amizade pura, mostrada no gesto e coração de oiro de Daniel, que vê em Fermín Torres algo mais do que a simples aparência "moribunda".

Julian Carax é delicioso, um misterioso escritor que se vai desvelando ao longo da nossa imaginação. Barcelona aaprece-nos sobranceira em tempos idos, reconhecemos nela a devastação do pós-guerra, a ira, a sede cega de vingança, a corrupção trazida pelas mãos de Fumero. Podemos vivenciar os momentos chave de cada personagem como se fossemos os próprios, sentir o mesmo que eles e perdermo-nos pelo "Cemitério dos Livros Esquecidos".

Para abrir o apetite, uma citação, entre outras, que me deixou a pensar:

"Nada alimenta o esquecimento como uma guerra. Todos nos calamos e as pessoas esforçam-se por nos convencer de que aquilo que vimos, aquilo que fazemos, o que apreendemos de nós próprios e dos outros, é uma ilusão, um pesadelo passageiro. As guerras não têm memória e ninguém se atreve a compreendê-las até não haver vozes para contar o que aconteceu, até chegar o momento em que já ninguém as reconhece e regressam, com outra cara e outro nome, para devorar o que deixaram para trás."

A Sombra do Vento de Carlos Ruiz Zafon é, de facto, uma história inesquecível.

quinta-feira, outubro 01, 2009

De regresso

Depois de um longo período de hibernação, eis que me convidei ao regresso. Foram meses de distanciamento, necessários, onde muitas novidades foram surgindo, onde as transformações foram uma constante.
Foi um tempo árduo em alguns aspectos, mas que serviram para que pudesse retemperar forças, equacionar soluções, cogitar hipóteses, prever alguns acontecimentos e deixar-me, simultaneamente, conduzir pelo instinto. Mais uma vez fora do meu conforto familiar, do meu ninho. Mas como qualquer pássaro necessitei voar por mim, pelos sonhos partilhados. O voo este ano levou-me a uma nova paragem: o Ribatejo.
Serão estas planícies que me servirão de fonte de inspiração, doravante, enquanto pouso o olhar sobre ela e vejo para além dela.
Até amanhã...