O fogo queima, pensamos que nunca nos acontecerá, que o amor é desigual e não conseguimos ver além. Percorro as ruas do meu imaginário, encontro nelas momentos desperdiçados, sonhos desfeitos, crenças que de tão inabaláveis quebraram. Estou aquém, as forças tomam-me de assalto e facilmente transparece no rosto o desânimo. Cruzo as ruas por tempo suficiente para perceber que a cada esquina espreita o preconceito. Quando de repente toca o sino da igreja, fora de horas, paro e deixo que o meu olhar se quede no nada. Quantas vezes subimos vãos de escada para mais rapidamente os descermos? Travamos batalhas contra os nossos pensamentos mais aterradores, desejamos que nos ouvissem? Antes de iniciarmos uma batalha importa procurar conhecer o campo em que a vamos travar. Irritada será, porventura, o adjectivo que caracteriza o meu estado de espírito, nesta minha viagem por estas ruas. Levo como acompanhante a lua e os meus pensamentos soltos.
Pergunto-me: e se eu tivesse o condão de escrever os vossos nomes em cada estrela? E se eu pudesse ter o condão de poder continuar a limpar as vossas mágoas? E se eu pudesse memorizar cada palavra que o Ricardo me foi dizendo? E se eu pudesse ter o condão de continuar a tua luta? E quantos Ricardos não há por aí, esmagados pela torpe mente dos que se julgam normais e condenam à “anormalidade” os que são diferentes?
É preciso um novo começo, é urgente olhar sem altivez, ver na diferença a igualdade. Mais uma vez, aqui estamos, só tu e eu, sentados a olhar o horizonte que se perde, olhar pousado no nada, a discorrer sobre o mesmo tema. Ainda te oiço dizer que a intolerância é própria de quem é fraco de espírito. Olho para ti e só consigo esboçar um sorriso ténue. Quero-te dizer que o meu coração sabe, o que há muito me queres dizer, mas que a boca não deixa.
Mais um dia passa e não consegui que o dissesses. A seu tempo o ouviria de ti. Recordas-te? Nesse ano, dava aulas no Algarve, eram duas horas da manhã, sensivelmente, quando uma mensagem me caiu no telemóvel (ainda sei as palavras de cor): “estou à tua espera. És tudo para mim.” Lembro-me tão bem, como se fosse hoje. Sem delongas, permiti-me responder: “Creio que a pessoa visada não sou eu…que ele te faça feliz e te trate bem.”
Não me dei conta, na hora, do que havia escrito. Poucos minutos depois, ligavas-me, a conversa foi curta: “desde quando sabes?”.
“Sei o quê?” – perguntei.
“Sabes que sou…sou…” - Ricardo
“Se fosses directo ao assunto era mais fácil, certo? Não sei ao que te referes.” – disse
“Aquilo da mensagem...que namoro.” – Ricardo
“Sim…que te enganaste no destinatário. Desejei-te felicidades, é por isso?”
“Obrigado.”
Desligaste o telefone. Sem perceber a conversa decidi verificar a mensagem. Só ai percebi que, a minha espontaneidade, tinha conseguido aquilo que até então a nossa amizade ainda não tinha alcançado.
Passado alguns meses, fomos tomar café, juntos. Deixei que fosses tu a falar, mas só conseguiste dizer-me: “obrigado por me aceitares pelo que sou.”
Hoje, alguém me disse: O Ricardo é homossexual sabias? (a forma como foi dito matou-me).
Sabes como respondi (sei que sabes, à moda pronta): E depois? Já viste a tua sorte, sobram mais mulheres para ti…
Na diferença encontrei a segurança de um ombro amigo, na diferença encontrei a igualdade. Somos todos diferentes. Quem está mais certo Ri, eu que sou diferente de ti ou tu que és diferente de mim? (esta é a nossa pergunta de eleição).
Homossexualidade é apenas mais um conceito.
Heterossexualidade é apenas mais um conceito.
Amizade, respeito, tolerância, aceitar a diferença como parte integrante de cada um (afinal somos todos diferentes, seres únicos e irrepetíveis), isso sim é premente!